17 de setembro de 2014

As Missões e a origem do Gaúcho

Dos Sete Povos das Missões que existiram no território do atual Rio Grande do Sul, restam hoje vestígios de São Nicolau, São Lourenço Mártir, São João Batista e São Miguel Arcanjo, Patrimônio Histórico da Humanidade. Porém, o legado deixado pela história missioneira vai muito além de vestígios arquitetônicos.

Esta história deixou marcas nas lendas, na linguagem, nos costumes e nas mais diversas artes. Além disso, a criação de gado, introduzida pelos jesuítas, tornou-se a base da economia gaúcha. 


A origem da palavra GAÚCHO, tem muitos segmentos. Segundo alguns autores, o termo provém do guarani e significaria "homem que canta triste", aludido provavelmente à "cantilena arrastada dos minuanos". 

A maioria dos autores rio-grandenses, no entanto, diz que seria uma corruptela da palavra Huagchu, de origem quêchua, traduzida por guacho, que significa órfão e designaria os filhos de índia com branco português ou espanhol.

É difícil falar em territórios, pois na verdade, quando do início do período da mineração, a América era ainda dividida pelo Tratado de Tordesilhas e, teoricamente, a região onde encontramos o atual estado do Rio Grande do Sul pertencia à Espanha. Não é à toa que nesta região as atividades econômicas e cultura se assemelham às da Argentina, Paraguai e Uruguai (na verdade, Vice Reino do Prata).

O gaúcho é comum às três pátrias. Suas origens estão na Península Ibérica conquistada por mouros e berberes, num tempo em que não havia distinção entre Espanha e Portugal; sofreu influência de sefarditas e, na América, somou cultura de Minuanos, Charruas e Guaranis. O que o gaúcho canta revela a vida comum de homens que vivem sob influência do mesmo clima, da mesma geografia, enfrentada na realização do trabalho numa atividade exatamente igual; atividade que se estabeleceu por determinação dos conceitos europeus de sobrevivência econômica, tanto dos colonizadores como dos religiosos.

Foi essa atividade dinâmica na Bacia do Prata que estimulou o governo português a intervir na região. Mesmo antes da assinatura do Tratado de Madri, em 1750, Portugal atuava no sentido de incorporar a região a seus domínios, interessado em participar do comércio local. Isso explica a fundação da Colônia do Sacramento em 1680 e o estímulo dado à ocupação das terras gaúchas.

No entanto podemos dizer que ao longo do século XVI e início do XVII, o Rio Grande do Sul era "terra de ninguém", habitada principalmente por índios guaranis e por onde passavam eventualmente alguns bandeirantes em busca de índios para apresar e escravizar.

A história do tropeirismo – um dos capítulos mais importantes da formação gaúcha e um dos menos lembrados – integrou diferentes regiões do Brasil, e traçou a rota da formação de muitas cidades da região Sul e Sudeste. Foi através dessa atividade que se consolidou o movimento comercial do país, que se definiram vocações econômicas regionais, e que as enormes extensões de pampas gaúchos encontraram seu destino, que marca a atividade econômica de algumas regiões do Estado até os dias atuais. Antes de se analisar a atividade dos tropeiros é preciso lembrar da origem da riqueza que exploravam: o gado disperso pelos campos gaúchos.

Rio Grande do Sul – Debret

No início do século XVII chegaram jesuítas à região formada pelos atuais estados do Paraná e Rio Grande do Sul, e pela Argentina e Paraguai. Esses padres estabeleceram as Missões Jesuíticas, onde reuniam, em torno de pequenos grupos de religiosos, um grande número de índios guaranis convertidos. Para sustentar essas populações, foi introduzida a atividade pecuária, com o gado solto nas estâncias das reduções. Dessa maneira a região passou a oferecer dois atrativos para os forasteiros: o índio que seria escravizado e o gado. Várias expedições de bandeirantes paulistas atacaram a região - destaca-se a expedição comandada por Antonio Raposo Tavares - até 1640.

Em 1628 já havia relatos sobre a presença de rebanhos nas reduções jesuíticas. Mas acredita-se que tenham levado os animais da margem direita para a esquerda do rio Uruguai em 1629, dando origem a um rebanho imenso que ficaria conhecido como Vacaria do Mar na área situada entre a Laguna dos Patos e os rios Jacuí e Negro. Essa Vacaria era regularmente predada por espanhóis e portugueses, e para garantir o gado os jesuítas criam a Vacaria dos Pinhais, na região de campos de cima da serra que ficou conhecia como Campos da Vacaria.

A ação dos bandeirantes e os conflitos fronteiriços entre Portugal e Espanha fizeram com que os jesuítas transferissem as reduções para a região noroeste do Rio Grande, onde fundaram os Sete Povos das Missões, que funcionavam de forma independente dos governos europeus metropolitanos e não se preocuparam em respeitar as decisões adotadas a partir de 1750 (Tratado de Madrid). Essa situação motivou a repressão às Missões. Apesar da resistência por parte de padres e índios, as Missões foram desmanteladas, mas deixaram um legado que, por muito tempo, seria a base da economia gaúcha: os grandes rebanhos de bovinos e cavalos, criados soltos pelas pradarias.

A formação das Vacarias permitiu que se realizasse, na área do atual Estado, a atividade de preia do gado selvagem. Caçava-se o gado e se retirava o couro, que era exportado para a Europa. A carne que não era consumida pelos predadores, era deixada no campo, apodrecendo. Todos predavam gado: portugueses, índios de aldeamentos, moradores das terras espanholas que tinham permissão de suas autoridades para vaquear, indivíduos que vaquejavam por conta própria. 

Enquanto isso, Portugal e Espanha continuavam na sua dança para ver quem, afinal, seria o dono do Sul do Continente. Tratados não cumpridos por ambas as partes e a política de “é de quem conseguir manter” tornavam a região que é o atual Rio Grande do Sul uma terra de ninguém, onde as duas coroas disputavam a posse do território.

Era ainda esse o quadro do território riograndense quando, no final do século XVII, se descobriu ouro na região das Minas Gerais. A atividade mineradora, o crescimento das cidades e a formação de uma elite com recursos aumentaram a necessidade de animais para transporte de carga. Onde encontrar esses animais? A resposta era fácil – no sul do continente, onde estavam as enormes Vacarias. A bem da verdade, a região não era propriamente portuguesa. No início do período de mineração a América ainda era dividida pelo Tratado de Tordesilhas, e teoricamente os rebanhos pertenciam à Espanha. Mas isso era um detalhe, resolvido pela política de ocupação efetiva do território. E foi assim, vindo de uma região de posse duvidosa, que o gado gaúcho entrou na história brasileira.

Uma vez estabelecidas as rotas de transporte, as tropas se multiplicaram e o comércio de gado deslanchou. A preferência era pelos muares, já que mulas e burros eram mais adequados para o transporte em uma região montanhosa como Minas Gerais. Mas também se exportava gado vacum e cavalos. 

Estabelecer um número exato de animais exportados é quase impossível. Há relatos falando em mais de 50 mil animais, com grande predominância de muares, na metade do século XVIII. 

As tropas saiam do Rio Grande do Sul em setembro ou outubro, época em que, graças às chuvas, encontrariam melhores pastos pelo caminho. Prosseguiam até Curitiba, onde ficavam por algum tempo, engordando o gado. De lá, partiam para Sorocaba, o grande centro de comércio de gado, a tempo de participar das grandes feiras que se realizavam entre abril e maio.

A atividade de tropeiragem teve seu auge ente 1725 e o final do século, quando a atividade mineradora começou a declinar. Nessa época, entretanto, um novo produto permitiu que o Rio Grande do Sul continuasse a desempenhar o seu papel de fornecedor de outros centros produtores brasileiros. Era o charque, que começou a ser produzido na região de Pelotas por volta de 1780. Com ele, os rebanhos gaúchos encontrariam uma nova destinação. 

Entretanto, os tropeiros continuaram a percorrer os caminhos do Sul, ainda que em menor escala. A tropeiragem sofreu um grande baque com a instalação das ferrovias, no final do século XIX. Manteve-se, contudo, em menor escala, até o a década de 50 do século XX.

Os índios contribuíram enormemente para a cultura gaúcha. Alimentos cotidianos foram nos legados por eles, como a batata, a mandioca (mani oca), alfafa, milho (mays), chás da medicina popular caseira, etc. O chimarrão e a erva-mate (caá-yari) foram legados dos índios. O churrasco assado com espetos cravados no chão, ao redor do fogo, ou entre pedras onde este havia sido feito, foram hábitos legados pelos índios. Os nativos ainda realizavam o plantio, a colheita, nascimentos e estipulavam épocas para se realizar alguma tarefa baseado nas fases da lua, que eles adoravam como um deus: Jaci.


No vestuário, os índios nos legaram pala, o poncho e o bichará foram inspirados pelas peles de animais utilizadas pelos nativos para se protegerem do inverno rigoroso da região. Chiripá, peça histórica do traje tradicional gaúcho, tanto o chiripá saiote quanto o triangular, que os índios usavam atendendo ao pedido dos padres jesuítas. As vinchas também são herança indígena.


A boleadeira, os ritmos e instrumentos musicais de percussão e o “sapucay” (grito que aparecem principalmente nos chamamés, um ritmo platino incorporado à musica gaúcha) são herança indígena. Segundo os índios, nos combates entre tribos rivais, o sapucay era um grito que atraía bons espíritos, e eles assim, venceriam o combate, caracterizando-se assim como um brado de guerra no passado, e de alegria e de dança no presente.

Além disso, muitas palavras hoje comuns ao nosso dia-a-dia, são de origem guarani, como os nomes de cidades gaúchas: Erechim (campo pequeno), Tapejara (tape yiará, aquele que sabe os caminhos), Guaíba (encontro das águas) e termos indígenas como Tchê ("meu", ou "amigo", dependendo da expressão).



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