18 de setembro de 2014

As Missões e a origem do Churrasco

É verdade que a carne assada faz parte da cultura de vários povos diferentes ao redor do mundo. Assar a carne de animais de diferentes tipos na brasa é algo antigo, que remonta aos primórdios da humanidade. São bastante comuns os achados de arqueólogos de pinturas rupestres de milhares de anos atrás retratando sociedades de caçadores-coletores onde as tarefas que cabiam aos machos de nosso espécie era justamente caçar animais para assá-los na brasa.


A história do churrasco gaúcho começa no século XVII, nas Missões, comunidades criadas pelos jesuítas no atual território do Rio Grande do Sul, Paraguai e Argentina, para reunir indígenas – em especial guaranis – na missão catequizadora. Destruídas em 1768, as comunidades deixaram como testemunho, além de Ruínas, um belo exemplo de sociedade para os homens e sua profunda influência na cultura e colonização.


A introdução do gado pelos jesuítas em 1629, da margem direita para a esquerda do rio Uruguai, foi o ponto inicial de um rebanho imenso que se propagaria aos terrenos baixos do rio Uruguai, que seria conhecido como "Vacarias do Mar", e ao planalto e serra.

Os Jesuítas, com a chegada dos Bandeirantes, retiraram-se para a outra margem do rio Uruguai, levando os nativos, mas deixando o gado que criavam nas reduções. Esses rebanhos, abandonados no pampa e reproduzindo-se a solta, tornaram-se bravios e formaram uma imensa reserva de gado, conhecido como “Vacaria del Mar”.

A Vacaria do Mar, situada entre a Laguna dos Patos e os rios Jacuí e Negro, havia sido pilhada por espanhóis e portugueses. Para fugir à sanha predatória destes conquistadores, o superior provincial dos Jesuítas, Padre Lauro Nunes, em 1702, resolveu criar a “Vacaria dos Pinhais” , numa região que parecia inacessível a espanhóis e portugueses.

Este território corresponde à última vacaria realizada pelos Padres, denominada "Baqueria de los Pinares", esta estância foi fundada em 1697. A região do Albardão da Serra ou Coxilha Grande fez parte por muito tempo de uma zona conhecida por "Vacaria dos Pinhais".

Fontes de abastecimento de espanhóis e portugueses foram os rebanhos do gado chamado "chimarrão” formado quase espontaneamente.

Com a introdução do gado pelos Missionários Jesuítas, e a formação destas Vacarias, estava lançado o fundamento econômico básico de apropriação da terra gaúcha: a preia do gado xucro.

Nossos gaúchos, por sua vez, lá pelo século XVIII, tinham carne sobrando. Não só a demanda era pouca, já que o maior interesse comercial por produtos de origem bovina eram o couro e o sebo. Também havia gado de sobra. Invasões às Missões Jesuíticas e o fim dos Sete Povos, ocorridos naquele século fizeram com que milhares de cabeças de gado ficassem livres pelos Pampas, onde estes animais encontraram muita pastagem natural para se procriarem e se espalharem por todo o Estado.

Seu número era tão grande que os espanhóis, que mandavam naquele território na época, promoviam as chamadas “vacarias”, onde tropeiros, alguns deles oriundos até mesmo de estados longínquos, como São Paulo, caçavam gado no campo. Para se alimentar, esses tropeiros faziam buracos no chão e assavam a carne ali mesmo, num típico fogo de chão. 

Os rebanhos ali criados, sem dono após a guerra guaranítica, ganharam os campos e ali se multiplicaram ao sabor da natureza. Era riqueza muito vistosa para não ser aproveitada naquele Brasil – colônia que crescia atrás do ouro. Por isso os preadores passaram a descer de Laguna e São Paulo para apresá-los. Eram os tropeiros, cuja refeição básica nas breves paradas de acampamento consistia num pedaço de carne fresca, assada ao calor das brasas no chão e temperado com um pouco de cinza. Também havia a técnica de “carona”. Montados em seus cavalos, colocavam a carne sob a sela, expondo-as ao suor de suas montarias. O suor, rico em sais, impregnava a carne e a salgava, deixando-a pronta para ser assada.

Com o tempo, o churrasco gaúcho foi se tornando conhecido dos diversos povos que emigraram para os estados do sul do país, que o incorporaram e adaptaram em sua culinária. Ainda no Rio Grande do Sul, surgiu o costume entre os habitantes do estado de temperar a carne com sal grosso, no lugar da “carona”.

Os tropeiros, invernadores e seus peões tinham no gado assado sua dieta principal, agora salgado. Eles haviam copiado dos índios o costume de colocar mantas de carne sob o arreamento, no lombo do cavalo, enquanto cavalgavam. No ponto de parada, devidamente salgado pelo suor do animal, a carne estava pronta para ir ao fogo.

Como se vê, o churrasco tornou-se fio condutor da história rio grandense e prosseguiu nesse papel durante o terceiro ciclo da fixação à terra, a chamada “civilização do estancieiro”. Agora já era uma larguíssima fazenda organizada, na qual a peonada saía para distantes lides de gado, que duravam semanas, meses e cujo cardápio era o churrasco, nutritivo e fácil de fazer com carne à mão. Foi nesse momento que tomou a forma de típico churrasco gaúcho como o conhecemos, com fogo de chão e espetos de carne fincados na terra ao redor.

A receita não podia ser mais simples: carne com alguma gordura – em geral costela -, coberta de sal e levada ao fogo demorado, assando primeiro de um lado e depois do outro. “Mas o churrasco não é exclusivo do Rio Grande. “ Existiu em toda América do Sul antes do Descobrimento.”

Os registros históricos se referem ao coócai, um assado primitivo e ao coócatuca, carne no espeto, usado pelos índios. A verdade é que no século passado, a modalidade do fogo de chão estava definitivamente consagrada, a julgar pelo depoimento do naturalista Saint Hilaire, de 1821. “Logo chegando ao lugar onde pisei, meu soldado fez uma grande fogueira; cortou a carne em compridos pedaços da espessura de um dedo, fez ponta em uma vara de cerca de dois pés de comprimento e enfiou-o a guisa de espeto em um dos pedaços de carne e quando julgou suficientemente assado, expôs o outro lado. "Ao fim de um quarto de hora esse assado podia ser comido, parecendo uma espécie de beefsteak suculento, porém de extrema dureza."

Foi na região missioneira que nasceram as raízes da cultura gaúcha, como o chimarrão, herança legítima do guarani, a criação do gado, introduzida pelos jesuítas, e em conseqüência o churrasco, prato típico de nossa terra. O cavalo também foi trazido pelos padres da Companhia de Jesus e se tornou companheiro inseparável do gaúcho. Vem conhecer as Missões, esta história e, claro, provar o churrasco gaúcho!

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