1 de maio de 2014

Yvy Marãey: O que é a "Terra Sem Males"?

A busca da “Terra sem Mal” (Ivy marãey) é um dos mais polêmicos e instigantes aspectos da cultura Guarani. Muitas foram as abordagens e as explicações dadas às migrações proféticas dos Guarani. Ainda hoje, o assunto é controverso e fonte de inúmeros e complexos debates entre especialistas.

Depois de conhecer o guarani no seu habitat e de observar seu dia a dia, podemos compreender seu modo de vida, sem as correrias do homem "branco" e com seu desapego aos bens materiais e a valorização da espiritualidade. A busca da “Terra sem Males” para o guarani nada mais é do que ter uma vida de perfeita harmonia entre o corpo e a alma.

Na crença dos indígenas, a alma chega devagar ao feto gerado no ventre da mãe e sai aos poucos do corpo na hora da morte física e, durante sua existência, a saúde, o bem-estar e a felicidade acontecem quando a alma ocupa por inteiro o corpo. A Mãe Terra é necessária não só para a sobrevivência física, mas é fundamental como espaço espiritual no qual o guarani vive sem violência e em paz. E isso, para eles, é a Terra sem Males.

Hélène Clastres (1978) aponta que, para os povos Tupi-Guarani, a sociedade – todas as suas regras e necessidades: o trabalho, as leis, as obrigações – tem um peso insuportável. Ela é demasiadamente maléfica. Alcançar a “Terra sem Mal” é a possibilidade de superação dessa condição, a contraordem, a recusa da atividade social. É o momento em que os Guarani, despidos em vida de sua condição humana, se transmutariam em homens-deuses, e se tornariam capazes de viver sem ter que trabalhar, eternamente jovens e felizes, numa terra esplêndida.

Na filosofia Tupi-Guarani, é possível atingir essa terra esplêndida sem que seja necessário passar pela prova da morte. A “Terra sem Mal” é um local a ser buscado em vida; daí a necessidade de migrar, caminhar, guiado pelo maracá do Caraí.

Há dois momentos na vida Guarani. Um é a vida em aldeia, onde são construídas casas, cultivadas roças, mobilizadas as alianças de parentesco. O outro é o caminhar direcionado pelo Caraí. Neste momento, come-se apenas o que se encontra (planta-se pouco ou quase nada), dorme-se precariamente e se dança muito, em coletividade. O anseio é perder o peso de ser homem e se fazer leve, para poder alcançar a “Terra sem Mal”.

É como se pretendessem escapar do peso da sociedade, da coletividade demasiadamente humana para, desta forma, conseguirem atingir o suposto lugar da “terra prometida”, na condição de homens-deuses.

Insucessos na busca têm origem em causas acidentais: desobediência às práticas rituais, insuficiência da devoção, insuficiência do guia, ou mesmo a um erro quanto à localização específica da “Terra sem Mal”. A validade da busca ou a possibilidade de atingir o tão almejado lugar sem a mediação da morte é algo que não se coloca em questão.

A vida em reserva deslocou o eixo da busca da “Terra sem Mal”. O pajé, bastante semelhante ao Caraí do passado, de homem de ação, de mobilizador do messianismo, se tornou um pensador, a refletir acerca do devir.

A opy (casa de reza) é o lugar do pajé, onde são professadas as mais belas palavras, que recordam os deuses. Segundo Hélène Clastres, graças às palavras, “os homens atestam que ainda estão conscientes de viver sob o olhar dos deuses e que não esqueceram os preceitos destes; graças a elas os deuses serão obrigados a cumprir sua promessa”.

A vida é ambivalente. Vive-se socialmente na terra imperfeita, ao lado da Natureza, no Tekoa, em busca do Ivy marãey (“Terra sem Mal”).

O mito da terra sem males nos fala dom profundo anseio humano por um mundo melhor, mais pleno e feliz para todos. Essa idéia está presente em diversas culturas e é registrada em muitos mitos diferentes que, no fundo, apontam para esse mesmo anseio humano. Esses mitos alimentam nossa esperança de que um outro mundo é possível.



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